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sábado, 24 de janeiro de 2015

O Poder da Gentileza



Com o desejo de beneficiar a comunidade através da arte, parti para tomar um caminhão travestido de ônibus coletivo e atravessar a cidade (vulgo “ônibus do transporte público” carioca). 

Muito calor, barulho, poluição, viagem em pé, trânsito, tarifa em inflação... Nada tira a alegria de fazer o bem. Do bairro Flamengo – Zona Sul, cheguei a Vila Isabel – Zona Norte. Deixei um obrigado amplo ao motorista, cobrador e passageiros. Segui a transversal em direção ao destino: Ateliê És Uma Maluca. Aguardei o sinal na faixa de pedestres. Atravesso com calma. Viro à esquerda na esquina para manter o lado oposto da calçada. Esta pista adjacente não possui sinal nem faixa. Aguardo momento seguro e vou.

Chegando à calçada seguinte, surpresa: adulto jovem, com bom porte físico e uma bengala, sozinho. Chão irregular. Pergunto para confirmar:

- O senhor é deficiente visual?
- Sim.
- Quer ajuda para atravessar?

Ele responde com alegria, aceitando a gentileza. Indago sobre os semáforos do Rio de Janeiro, se possuem acessibilidade e como ele faz para atravessar a via. Diz que apenas o semáforo em frente ao Instituto Benjamin Constant – voltado para deficientes visuais, na Urca - possui alerta sonoro. Guia-se pelo som dos automóveis. Pergunta a pessoas ao perceber sua proximidade física. Muitos oferecem ajuda e alguns motoristas param e buzinam.

- Que bom, tem muita gente praticando altruísmo pela cidade! Não é só violência, né?!

Com a mão em meu ombro aguardando a luz verde, ele sorri e concorda.

- Prazer, meu nome é Roberto – diz o nobre homem.
- Igualmente, o meu é Antonio. Legal, Roberto é o nome do meu irmão.

Afinidades. Pista livre. Seguimos passo a passo.

- Estou indo no aniversário de um amigo na próxima rua, logo à esquerda. Conheço o caminho, consigo ir sozinho.

Sentindo admiração por aquele sujeito tenaz, e felicidade num gesto tão simples, fiz questão de seguir. Prestei atenção nos meus próprios passos, para não ser nem tão lento ou veloz. Muita gente transitava ao redor, vem e vai. Íamos conversando até que ele tropeçou. Olhei para o chão e pedi desculpas.

- As calçadas também não são nada acessíveis. Irregulares e cheias de buracos – constatei.

Ele confirmou. Sabe melhor do que ninguém esta realidade absurda em que vivemos. Comecei a indicá-lo os obstáculos do passeio público. Não eram poucos. Parecia que uma britadeira tinha destruído toda a calçada, de ponta a ponta. Senti-me num rally à pé, off-road.

- Apenas um semáforo na cidade tem alerta sonoro, as calçadas estão neste estado, e vamos receber as Olimpíadas e Pára-Olimpíadas. Estamos muito atrasados em acessibilidade. É um grande desafio diário para vocês, né?

Roberto emenda:

- É verdade. Moro perto da academia. Já conheço essa região, caminho tudo sozinho. Sou atleta Paralímpico, pratico judô.

Contou-me que esteve no Pan do Rio 2007 e em Londres 2012. Fiquei extasiado, sorrindo mais ainda! Essas pessoas são verdadeiros ídolos nacionais! São super-heróis da rotina diária nas nossas mazelas públicas do Artigo 5º: o Direito de Ir e Vir.

Roberto Julian (azul) em ação nos Jogos Paralímpicos de Londres 2012.
Foto: Peter Macdiarmid/Getty Images Europe



- Você competirá aqui no Rio em 2016?
- Espero que sim, estou treinando. Vou para o Pan de Toronto 2015

Eu também estou na torcida!!! Roberto me contou que treina numa academia na Tijuca. Que seu Mestre Leonardo Lara é um militante da modalidade, precursor que abriu as portas para ele e outros deficientes entrarem no esporte. Grande sujeito, admiro-o mesmo sem conhecê-lo!

Perguntei se utilizava internet, se tinha como nos conectarmos.

- Sim, tenho facebook, whatsapp...
- Mas existe um sistema diferente para você interagir, certo?
- Tem sim, é o DOSVOX (se não me engano). Tudo o que aparece escrito na tela esse programa lê em voz alta.

Fantástico! A internet e as tecnologias são democráticas, universais, mais acessíveis que nossa cidade!

Chegamos ao restaurante.

- Me encontra lá no facebook.
- Sim, entro em contato contigo. Cuidado com o degrau e a porta de vidro a sua frente.

Um menino surge lá de dentro e vem recebê-lo.

- Muito obrigado!
- Muito obrigado Roberto!

Servir o próximo. Simples gestos altruístas. Postura atenta e prestativa, com o desejo de promover bem-estar e felicidade. Sentido de responsabilidade por outras pessoas. Desejo de beneficiar a sociedade e humanidade. Cooperação, simpatia, respeito.

Enquanto o guiava com sua mão em meu ombro, senti tudo isto e também proteção. O mundo ao redor só importava se estivesse diretamente ligado ao nosso caminho e missão. Alegria. Ganhei o dia, e ainda tenho uma bela reunião pela frente.

Transforme a vida dentro de casa e a cada esquina. 
A alquimia natural de nosso organismo se anima. 
Basta uma ação semeando amor e promovendo a paz. 
A construção de um mundo melhor está diante de nós. 
Gratidão!

Antonio Farias Bisneto

Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 2014.


Fonte: http://www.judoleonardolara.com.br/?p=871




























Mestre Leonardo Lara e Roberto Julian – atleta do Judô Clube Leonardo Lara – com sua medalha de ouro na categoria Masculino por Equipes de Deficientes Visuais. Seleção Brasileira campeã!

Campeonato Mundial de Judô para Cegos 2014Colorado Springs - EUA.



*Obs.: as falas presentes no texto são aproximadas. Tentei transmitir o mais fiel possível.




Agradeço imensamente Roberto Julian a synergía perseverante e gentil!




2 comentários:

  1. Um verdadeiro presente para se ter esperança por dias Melhores.Gratidão!

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    1. Camila, seu comentário é a certeza de que a sinergia positiva está viva e disponível neste mundo! Suas palavras expandem lábios em sorrisos infinitos!!! Gratidãaaaaaaoooooo!!! =D

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