Com o desejo
de beneficiar a comunidade através da arte, parti para tomar um caminhão
travestido de ônibus coletivo e atravessar a cidade (vulgo “ônibus do
transporte público” carioca).
Muito calor, barulho, poluição, viagem em pé,
trânsito, tarifa em inflação... Nada tira a alegria de fazer o bem. Do bairro
Flamengo – Zona Sul, cheguei a Vila Isabel – Zona Norte. Deixei um obrigado amplo
ao motorista, cobrador e passageiros. Segui a transversal em direção ao
destino: Ateliê És Uma Maluca. Aguardei o sinal na
faixa de pedestres. Atravesso com calma. Viro à esquerda na esquina para manter
o lado oposto da calçada. Esta pista adjacente não possui sinal nem faixa.
Aguardo momento seguro e vou.
Chegando à
calçada seguinte, surpresa: adulto jovem, com bom porte físico e uma bengala,
sozinho. Chão irregular. Pergunto para confirmar:
- O senhor é
deficiente visual?
- Sim.
- Quer ajuda
para atravessar?
Ele responde
com alegria, aceitando a gentileza. Indago sobre os semáforos do Rio de
Janeiro, se possuem acessibilidade e como ele faz para atravessar a via. Diz que apenas o semáforo em frente ao Instituto Benjamin Constant –
voltado para deficientes visuais, na Urca - possui alerta sonoro. Guia-se pelo
som dos automóveis. Pergunta a pessoas ao perceber sua proximidade física.
Muitos oferecem ajuda e alguns motoristas param e buzinam.
- Que bom, tem
muita gente praticando altruísmo pela cidade! Não é só violência, né?!
Com a mão em
meu ombro aguardando a luz verde, ele sorri e concorda.
- Prazer, meu
nome é Roberto – diz o nobre homem.
- Igualmente,
o meu é Antonio. Legal, Roberto é o nome do meu irmão.
Afinidades. Pista
livre. Seguimos passo a passo.
- Estou indo
no aniversário de um amigo na próxima rua, logo à
esquerda. Conheço o caminho, consigo ir sozinho.
Sentindo
admiração por aquele sujeito tenaz, e felicidade num gesto tão simples, fiz
questão de seguir. Prestei atenção nos meus próprios passos, para não ser nem
tão lento ou veloz. Muita gente transitava ao redor, vem e vai. Íamos
conversando até que ele tropeçou. Olhei para o chão e pedi desculpas.
- As calçadas
também não são nada acessíveis. Irregulares e cheias de buracos – constatei.
Ele
confirmou. Sabe melhor do que ninguém esta realidade absurda em que vivemos.
Comecei a indicá-lo os obstáculos do passeio público. Não eram poucos. Parecia
que uma britadeira tinha destruído toda a calçada, de ponta a ponta. Senti-me
num rally à pé, off-road.
- Apenas um
semáforo na cidade tem alerta sonoro, as calçadas estão neste estado, e vamos
receber as Olimpíadas e Pára-Olimpíadas. Estamos muito atrasados em
acessibilidade. É um grande desafio diário para vocês, né?
Roberto
emenda:
- É verdade. Moro
perto da academia. Já conheço essa região, caminho tudo sozinho. Sou atleta Paralímpico, pratico judô.
Contou-me que esteve no Pan do Rio 2007 e em Londres 2012. Fiquei extasiado, sorrindo mais ainda! Essas pessoas são verdadeiros ídolos nacionais! São super-heróis da rotina diária nas nossas mazelas públicas do Artigo 5º: o Direito de Ir e Vir.
Roberto Julian (azul) em ação nos Jogos Paralímpicos de Londres 2012. Foto: Peter Macdiarmid/Getty Images Europe |
- Você
competirá aqui no Rio em 2016?
- Espero que
sim, estou treinando. Vou para o Pan de Toronto 2015.
Eu também estou na torcida!!! Roberto me contou que treina numa academia na Tijuca. Que seu Mestre Leonardo Lara é um militante da modalidade, precursor que abriu
as portas para ele e outros deficientes entrarem no esporte. Grande sujeito,
admiro-o mesmo sem conhecê-lo!
Perguntei se utilizava internet, se tinha como nos conectarmos.
- Sim, tenho
facebook, whatsapp...
- Mas existe
um sistema diferente para você interagir, certo?
- Tem sim, é
o DOSVOX (se não me engano). Tudo o que aparece escrito na tela esse programa lê em voz
alta.
Fantástico! A
internet e as tecnologias são democráticas, universais, mais acessíveis que
nossa cidade!
Chegamos ao
restaurante.
- Me encontra
lá no facebook.
- Sim, entro
em contato contigo. Cuidado com o degrau e a porta de vidro a sua frente.
Um menino surge lá de dentro e vem recebê-lo.
- Muito
obrigado!
- Muito
obrigado Roberto!
Servir o
próximo. Simples gestos altruístas. Postura atenta e prestativa, com o desejo de promover bem-estar e felicidade. Sentido de responsabilidade por outras pessoas. Desejo
de beneficiar a sociedade e humanidade. Cooperação, simpatia,
respeito.
Enquanto o
guiava com sua mão em meu ombro, senti tudo isto e também proteção. O mundo ao
redor só importava se estivesse diretamente ligado ao nosso caminho e missão. Alegria.
Ganhei o dia, e ainda tenho uma bela reunião pela frente.
Transforme a
vida dentro de casa e a cada esquina.
A alquimia natural de nosso organismo se
anima.
Basta uma ação semeando amor e promovendo a paz.
A construção de um
mundo melhor está diante de nós.
Gratidão!
Antonio Farias Bisneto
Rio de Janeiro, 29 de
dezembro de 2014.
Fonte: http://www.judoleonardolara.com.br/?p=871 |
Mestre Leonardo Lara e Roberto Julian – atleta do Judô Clube Leonardo Lara – com sua medalha de ouro na categoria Masculino por Equipes de Deficientes Visuais. Seleção Brasileira campeã!
Campeonato Mundial de Judô para Cegos 2014, Colorado Springs - EUA.
Campeonato Mundial de Judô para Cegos 2014, Colorado Springs - EUA.
Agradeço imensamente Roberto Julian a synergía perseverante e gentil!
Um verdadeiro presente para se ter esperança por dias Melhores.Gratidão!
ResponderExcluirCamila, seu comentário é a certeza de que a sinergia positiva está viva e disponível neste mundo! Suas palavras expandem lábios em sorrisos infinitos!!! Gratidãaaaaaaoooooo!!! =D
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